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segunda-feira, 21 de julho de 2008

Um cruel visitante aportou em Santos num Natal do século XVI.


Em 1583, o corsário inglês Edward Fenton entrou e permaneceu no ancoradouro santista com suas embarcações, quando foi surpreendido pelas naves do comandante André de Equino, com o qual trocou fogo de artilharia. Sobre isto veja: Edward Fenton visita o porto de Santos e ali entra em combate. O episódio serviu de alerta para mostrar o perigo a que ainda estava exposta a vila de Santos, sem defesa segura contra as incursões piratas.
Diante de tal ameaça dos inimigos da Espanha, o Rei Felipe II determinou que fosse levantada uma fortaleza na entrada da barra, do lado da atual ilha de Santo Amaro, que foi chamada de Fortaleza da Barra Grande e cuja construção se estendeu até 1590.
Seguia Santos o seu curso normal de vida, e já agora com esta fortaleza levantada, quando três barcos piratas da frota do almirante Thomas Cavendish surgiram no porto de Santos. Eram o Roebuck, do Capitão Cocke, o Desire, do Capitão John Davies, e o Black Pinese, do Capitão Stafford. Cocke que a todos comandava, valendo-se da noite escura e tormentosa de 24 de dezembro, com os demais navios invadiu a barra e passou despercebido ante a Fortaleza da Barra Grande, fundeando em frente da Vila na manhã do dia 25.
Ali mandou Cocke uma intimação ao pequeno Forte da Vila: que se rendesse ou seria destruído imediatamente pelos canhões já assestados. Este fora construído no tempo de Braz Cubas, na atual Praça da República, ocupando aproximadamente as áreas dos prédios da Alfândega e da Recebedoria de Rendas. Como haviam anos que a paz da Vila não era perturbada por agressores de mar afora, e uma grande fortaleza agora defendia a estreita passagem do porto, desprevenidos e descuidados estavam os homens do fortim, tanto quanto os moradores de toda a vila. E, assim, nenhuma resistência foi feita aos poderosos corsários, numerosos e bem armados.
Diante da ausência de reação, as embarcações miúdas daquela frota passaram a despejar na praia bandos de homens ruivos, de olhos azuis, grandalhões e barbudos e armados de mosquetes e piques; estes soltando gritos espantosos, foram matando quem esboçava a menor resistência, invadindo as casas, saqueando-as, apoderando-se também da Casa da Câmara e ocupando posições convenientes para dominar a povoação.
E um clamor correu de boca em boca por toda a população espavorida ao avista-los: - os piratas ingleses!
A maioria da população estava na Igreja Matriz, sendo orçadas em 300 pessoas que lá se encontravam comemorando o Natal; todos foram retidos no templo, enquanto os ingleses saqueavam a vila. Mais tarde, realizado o primeiro saque e reunidas as forças invasoras, o povo, que se achava na igreja, recebeu ordem de abandoná-la, continuando detidos apenas os mais ricos e mais capazes de lutar em defesa da terra.
No dia seguinte, 26 de dezembro, Thomas Cavendish aportou com o restante da sua esquadra, pois ficara de atalaia nas proximidades de São Sebastião, com outros dois navios: o Leicester, do Capitão Southwell, e o Daintie, do Capitão Barker. De imediato, fez desembarcar duzentos homens para reforçar o efetivo de terra. Também mandou saquear e queimar todos os navios que se encontravam no porto. E, prosseguindo na sua operação de pilhagem, seus homens foram por terra até São Vicente, saqueando e queimando todos os engenhos, que encontrava pela frente, e ainda pilhando e incendiando igualmente o vizinho povoado, deixando atrás de si um rastro de ódio e pavor.
Mas quem era a sanguinária criatura aqui citada? Cavendish era natural de Trimby, na Grã-Bretanha, e recebera a carta de corsário da Rainha Elisabeth, inimiga figadal do Império Espanhol, sob cujo domínio se encontravam Portugal e o Brasil quando aquele atacou Santos. Sua imagem é aquela aqui estampada.
E o que houve com a população local durante a permanência dos corsários? O ataque súbito e selvagem, provocou a fuga de quase todos os moradores, com suas mulheres e filhas, para as matas vizinhas, onde ficaram a salvo da sanha corsária. Só depois de dois meses de estada em nosso porto, e não tendo mais nada o que levar ou depredar, Cavendish com seus navios tomou rumo do Sul.
No ano seguinte, após uma ausência de nove meses, o grande corsário voltou à barra de Santos, e, pairando ao largo, a três léguas da Vila, mandou apressadamente a terra vinte e cinco homens, ao mando dos capitães Stafford, Southwell e Barker, com ordens de, a todo transe, tomarem víveres de que tinha extrema necessidade para socorro de sua tripulação esfomeada e quase toda ela enferma.
Desta vez, encontrou a postos os homens válidos de Santos, e sua gente foi afrontada pela de terra, emboscada nos matos e auxiliada por indígenas agregados; e, do reencontro que houve, apenas escaparam vivos dois dos corsários, que foram levados ao recinto da vila, acompanhando as cabeças dos companheiros mortos, fincadas em espeques apanhados no mato, levantados como estandartes à frente do estranho cortejo.
Com este resultado desenganou-se definitivamente Cavendish de prosseguir em novas tentativas sobre a ilha de São Vicente e, fazendo-se ao mar, navegou para a costa do Espírito Santo, pondo em saque toda a costa intermediária, onde, ao que sabemos, acabou por sofrer irremediável derrota, causada por índios e portugueses conjugados.
Ao abandonar o Espírito Santo, derrotado e abatido, Cavendish rumou para São Sebastião, lá deixando na ilha, todos os enfermos e feridos da armada. Entre esses enfermos estava Antonio Knivet, o marinheiro, que, restabelecendo-se ali, ainda empreendeu aventuras pelos sertões, acabando por deixar uma pequena história das peripécias que passara, em terra e no mar, em companhia de Cavendish, conservando, para a posteridade, algumas das atrocidades do grande corsário; parte da qual foi aqui reproduzida.
O grande corsário morreria na sua volta à Inglaterra, terminando assim, por força de privações, de fome e falta de medicamentos, uma existência tão perniciosa à navegação do Atlântico meridional naqueles primeiros tempos da colonização.
Divergem, porém, os autores aqui mencionados acerca do ano em que ocorreu a primeira invasão: 1588, 1590 ou 1591. Isto até hoje não foi elucidado e nem o será. De qualquer forma, sabe-se que foi no Natal num daqueles anos.

Fontes:


MUNIZ JR., J. Novo Milênio. http://www.novomilenio.inf.br/santos/h0049f1.htm . Acesso em: 21/07/2008.

BARROSO, Gustavo. Natal de Sangue de Thomas Cavendish. Novo Milênio. http://www.novomilenio.inf.br/santos/h0049f2.htm . Acesso em 21/07/2008.

MARTINS DOS SANTOS, Francisco e MARTINS LICHTI, Fernando. História de Santos/Poliantéia Santista. Santos, 1986, primeiro volume.Novo Milênio. http://www.novomilenio.inf.br/santos/h0049f3.htm . Acesso em: 21/07/2008.

Novo Milênio. http://www.novomilenio.inf.br/santos/fotos021.htm . Acesso em: 21/07/2008.