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sexta-feira, 3 de abril de 2015

Batalha Naval do Riachuelo e sua influência sobre o destino da Guerra do Paraguai.

                                                             
                                                             Breve introdução:


Velhos e bons livros acabam esquecidos em prateleiras de bibliotecas e por causa disso bons textos deixam de vir ao conhecimento público. Pensando nisto reproduzo este fragmento de um deles, que se vê a seguir, com o devido crédito, para assim divulga-lo aos que porventura leiam este blog. Claro, acresci tudo de algumas imagens, inexistentes no original, para lhe dar mais vida e colorido.

BATALHA NAVAL DO RIACHUELO E SUA INFLUÊNCIA SOBRE O DESTINO DA GUERRA COM O PARAGUAI

“Ao observador superficial dos nossos fatos históricos parecerá exagerada a afirmação de que a batalha do Riachuelo exerceu influência decisiva sobre o desenvolvimento das operações e o desfecho final da guerra a que nos arrastou o déspota do Paraguai. Isto porque, travada a batalha a 11 de junho de 1865, a guerra só terminaria, no entanto, quase cinco anos depois, a 1.° de março de 1870. Como influência decisiva  perguntarão muitos — se a luta ainda se prolongou por tão longo tempo?

Antes de tudo, precisamos considerar a posição e o valor numérico das forças beligerantes de terra na ocasião do recontro naval, bem como, principalmente, a orientação político-estratégica dos nossos inimigos.


                                                           

(Solano Lopes em tela a óleo)
 
 
Quando Solano Lopez, com aprisionar ostensivamente o "Marquês de Olinda", atirou-nos o cartel de desafio para a luta, o Brasil levantou-se estremunhando, pois que era então, como ainda hoje, o eterno gigante que dorme. Desprevenido de recursos bélicos, sonhando utopisticamente com as delícias da paz, ele assistiu quase que estarrecido à invasão do seu território, sujeitas as populações e cidades fronteiriças aos vexames impostos por uma onda de bárbaros — desde o assassínio frio ao estupro, desde o roubo desenfreado ao talamento dos campos. Diante da situação de fato, apelou-se para o nunca desmentido patriotismo dos brasileiros como o remédio salvador de todos os tempos. E de toda parte acorreram voluntários. E organizaram-se batalhões. E adquiriram-se armamentos. E encomendaram-se navios. E pensou-se, enfim, na realidade brutal da guerra.
 


(apresamento do navio Marques de Olinda no Paraguai)


 

Os nossos aliados do Prata não estavam melhor preparados. De modo que em junho de 1865, as tropas que podíamos contrapor aos invasores eram, em Corrientes, os 6.500 homens dos generais Paunero e Caceres, e, mais aquém, na Concordia, os 12.000 recrutas de Osório e Mitre.
E eles — os paraguaios - que apresentavam contra nós? Robles, à frente de um poderoso exército de 25 mil homens, depois de atravessar o Paraná no Passo da Pátria, invadira Corrientes e avançava paralelamente ao grande rio com destino a Entre-Rios. Estigarribia e Duarte, comandando o primeiro uma coluna de sete mil e quinhentos homens e o segundo outra de três mil, caminhavam em cada uma das margens do Uruguai rumo da vila brasileira de Uruguaiana e da corrientina de Restauracion. As hostes de Barrios e Resquin assolavam Mato Grosso.
Que objetivos guiavam as forças paraguaias? Dirigindo-se a Entre-Rios contava Robles com o anunciado apoio dos federais chefiados por Urquiza. Penetrando na República Oriental tinha Duarte como certo levantar os blancos, inimigos rancorosos do Império, e com eles constituir a vanguarda do exército invasor. Resta Estigarribia. Este, invadindo a próspera província do Rio Grande, tencionava nela implantar a desordem, e talvez a desagregação, promovendo um levante de escravos para mais facilmente conseguir seus objetivos militares.
 
Nestas condições, para a completa realização do plano de Lopes, apenas faltava a livre navegação do Paraná, que a esquadra brasileira interceptava, impedindo não só o abastecimento por via fluvial ao grande exército de Robles, como, ademais, ameaçando cortar-lhe a retirada.
 
Com efeito, quer bloqueando o território paraguaio nas Tres Boccas, quer concorrendo eficazmente para a retomada de Corrientes, a nossa força naval apresentava-se, além de adversário temível, como o entrave mais sério a ser vencido no momento.
 
Daí deixar Lopez Assunção e, dirigindo-se a Humaitá, organizar ele próprio a expedição temerária que resultou no fracasso do Riachuelo. O plano era muito simples. A nossa esquadra, fundeada um pouco abaixo da cidade argentina de Corrientes, compunha-se, no dia 10 de junho, de nove unidades. Lopez escolheu, por sua vez, nove de seus melhores navios, guarneceu-os com o escol da Marinha e do Exército paraguaios, entregando o comando deles ao mais antigo dos seus oficiais de mar, o velho comodoro Mezza, provecto conhecedor da navegação do Paraguai e do Paraná. Esses nove navios, partindo de Humaitá na noite de 10, deveriam alcançar a esquadra brasileira na madrugada do dia 11. Cada navio paraguaio abordaria um dos navios brasileiros. Estes, atacados de surpresa, decerto não resistiriam; mas se resistissem, repelindo a abordagens, lá estavam para impedir-lhes a fuga as seis chatas armadas com rodízios de 68 e 80 trazidas a reboque pela força de Mezza e, mais do que isso, a formidável bateria de 22 bocas de fogo e os dois mil atiradores dispostos por Bruguez nas barrancas do Riachuelo.

"Acaben com los brasileños pero traigan sus buques intactos para refuerzo de nuestra escuadra!" — foram as últimas palavras da proclamação de El Supremo aos expedicionários. Um dos seus navios, porém, o "Yberá", sofreu um desarranjo nas máquinas e ficou no caminho. As 14 unidades restantes (oito navios e seis chatas), prejudicadas na sua marcha por esse contratempo, só às 9:00h da manhã defrontavam os navios brasileiros.

Parece que o chefe Mezza não se sentiu com coragem para a realização da abordagem em pleno dia, encontrando a nossa força, como encontrou, perfeitamente aparelhada para o combate. Daí a sua resolução de desfilar a toda velocidade pela nossa frente e ir postar-se sob a proteção da artilharia de Bruguez, junto à embocadura do Riachuelo, onde o foi buscar, para derrotá-lo, a intrepidez e competência profissional de Barroso.
 
                       
                                                (Batalha Naval do Riachuelo – tela de Victor Meirelles)

 
 

Se nós tivéssemos perdido a batalha, é fácil de acompanhar o rumo que tomariam os acontecimentos. A esquadrilha paraguaia, descendo o Paraná, faria de Montevidéu sua base estratégica de operações. Robles teria o caminho desimpedido, e certamente as simpatias dos entrerrianos pelo Paraguai não se resumiria na demonstração platônica da debandada de Basualdo, senão num apoio mais decidido. Reforços seriam enviados a Estigarribia e a Duarte, e tanto a República Oriental como a província do Rio Grande seriam dominadas inteiramente.

O pensamento vacila, atemorizado, ante a perspectiva que se desdobra! Se completamente isolado do exterior como ficou desde o começo da guerra, pôde Lopez sustentar a luta durante cinco longos anos, obrigando-nos a despesas fabulosíssimas e ao sacrifício de cem mil vidas, que não faria ele se atingisse Montevidéu e dominasse de pronto a navegação do Paraguai e do Paraná? A que imensas proporções não atingiria a campanha se a República mediterrânea pudesse receber do mundo inteiro, que a olhava com simpatia os recursos que o nosso bloqueio não lhe permitiu adquirir? Recebendo da Inglaterra e da França os encouraçados que aí tinha em construção quando rebentou a guerra, o arrojo do ditador paraguaio decerto nos viria combater dentro da própria capital do Império!

Isolado do mundo, o Paraguai, graças a las onzas de oro que o Ministro Berges distribuía, conseguiu as simpatias de grande parte da imprensa universal. Vencedor no Riachuelo, com a chave do Prata nas mãos, todos os louvores seriam para o jovem David — como chegou a ser comparado — que arrostava impavidamente as fúrias imperialistas do gigante Golias...

Felizmente, porém, fomos os vencedores. E as consequências também não se fizeram esperar. Duarte, pouco depois, em Itajaí, era fragorosamente batido pela vanguarda do exército aliado ao mando do general Flores. Estigarribia, isolado em Uruguaiana, rendia-se sem dar um tiro. Robles era obrigado a retroceder da posição ocupada, e, mais tarde, a evacuar Corrientes.

A batalha naval do Riachuelo, portanto, considerada sob o ponto de vista das consequências políticas imediatas, teve uma importância decisiva sobre a sorte de toda a campanha. Sob o ponto de vista militar sua importância foi ainda mais decisiva, porquanto destruímos o poder naval adversário continuando com o domínio pleno de toda a navegação fluvial.


 
 
(bandeira imperial do Brasil)

Resta a descrição da batalha. Esta, porém, está tão viva, no espírito e no coração dos brasileiros, que fora supérfluo aqui rememorá-la. Basta dizer que os feitos dos que nela se empenharam de nossa parte — desde o chefe ao menos graduado dos tripulantes constituem exemplo e padrão de orgulho para as gerações que se sucedem. Barroso, Pedro Affonso, Hoonholtz, Greenhalgh, Marcilio Dias são hoje figuras lídimas de heróis não apenas do Brasil, senão do próprio continente sul-americano!”

 


 

 
 
 
Fonte: PRADO MAIA. Através da História Naval Brasileira. São Paulo: Companhia Editora      Nacional. Edição 1936.