(Solano Lopes em tela a óleo)
Quando Solano
Lopez, com aprisionar ostensivamente o "Marquês de Olinda",
atirou-nos o cartel de desafio para a luta, o Brasil levantou-se estremunhando,
pois que era então, como ainda hoje, o eterno gigante que dorme. Desprevenido
de recursos bélicos, sonhando utopisticamente com as delícias da paz, ele
assistiu quase que estarrecido à invasão do seu território, sujeitas as
populações e cidades fronteiriças aos vexames impostos por uma onda de bárbaros
— desde o assassínio frio ao estupro, desde o roubo desenfreado ao talamento
dos campos. Diante da situação de fato, apelou-se para o nunca desmentido
patriotismo dos brasileiros como o remédio salvador de todos os tempos. E de
toda parte acorreram voluntários. E organizaram-se batalhões. E adquiriram-se
armamentos. E encomendaram-se navios. E pensou-se, enfim, na realidade brutal
da guerra.
(apresamento do navio Marques de Olinda no Paraguai)
Os nossos aliados do Prata não estavam melhor
preparados. De modo que em junho de 1865, as tropas que podíamos contrapor aos
invasores eram, em Corrientes, os 6.500 homens dos generais Paunero e Caceres, e, mais aquém, na Concordia, os 12.000 recrutas de Osório
e Mitre.
E eles — os paraguaios - que apresentavam contra nós? Robles, à frente de um poderoso exército de 25 mil homens, depois
de atravessar o Paraná no Passo da Pátria, invadira Corrientes e avançava paralelamente ao grande rio com destino a Entre-Rios. Estigarribia e Duarte,
comandando o primeiro uma coluna de sete mil e quinhentos homens e o segundo
outra de três mil, caminhavam em cada uma das margens do Uruguai rumo da vila
brasileira de Uruguaiana e da corrientina de Restauracion. As hostes de Barrios
e Resquin assolavam Mato Grosso.
Que objetivos guiavam as forças paraguaias? Dirigindo-se a Entre-Rios contava Robles
com o anunciado apoio dos federais chefiados por Urquiza. Penetrando na República Oriental tinha Duarte como certo levantar os blancos,
inimigos rancorosos do Império, e com eles constituir a vanguarda do exército
invasor. Resta Estigarribia. Este,
invadindo a próspera província do Rio Grande, tencionava nela implantar a
desordem, e talvez a desagregação, promovendo um levante de escravos para mais
facilmente conseguir seus objetivos militares.
Nestas condições,
para a completa realização do plano de Lopes,
apenas faltava a livre navegação do Paraná, que a esquadra brasileira
interceptava, impedindo não só o abastecimento por via fluvial ao grande
exército de Robles, como, ademais,
ameaçando cortar-lhe a retirada.
Com efeito, quer bloqueando o território paraguaio nas Tres Boccas, quer concorrendo eficazmente para a retomada de Corrientes, a nossa força naval
apresentava-se, além de adversário temível, como o entrave mais sério a ser
vencido no momento.
Daí deixar Lopez
Assunção e, dirigindo-se a Humaitá,
organizar ele próprio a expedição temerária que resultou no fracasso do
Riachuelo. O plano era muito simples. A nossa esquadra, fundeada um pouco
abaixo da cidade argentina de Corrientes,
compunha-se, no dia 10 de junho, de nove unidades. Lopez escolheu, por sua vez, nove de seus melhores navios,
guarneceu-os com o escol da Marinha e do Exército paraguaios, entregando o
comando deles ao mais antigo dos seus oficiais de mar, o velho comodoro Mezza, provecto conhecedor da navegação
do Paraguai e do Paraná. Esses nove navios, partindo de Humaitá na noite de 10,
deveriam alcançar a esquadra brasileira na madrugada do dia 11. Cada navio
paraguaio abordaria um dos navios brasileiros. Estes, atacados de surpresa,
decerto não resistiriam; mas se resistissem, repelindo a abordagens, lá estavam
para impedir-lhes a fuga as seis chatas armadas com rodízios de 68 e 80
trazidas a reboque pela força de Mezza
e, mais do que isso, a formidável bateria de 22 bocas de fogo e os dois mil
atiradores dispostos por Bruguez nas
barrancas do Riachuelo.
"Acaben com los brasileños pero traigan sus buques intactos para
refuerzo de nuestra escuadra!" — foram as últimas palavras da
proclamação de El Supremo aos expedicionários. Um dos seus navios,
porém, o "Yberá", sofreu um desarranjo nas máquinas e ficou no
caminho. As 14 unidades restantes (oito navios e seis chatas), prejudicadas na
sua marcha por esse contratempo, só às 9:00h da manhã defrontavam os navios
brasileiros.
Parece que o chefe Mezza não se
sentiu com coragem para a realização da abordagem em pleno dia, encontrando a
nossa força, como encontrou, perfeitamente aparelhada para o combate. Daí a sua
resolução de desfilar a toda velocidade pela nossa frente e ir postar-se sob a
proteção da artilharia de Bruguez,
junto à embocadura do Riachuelo, onde o foi buscar, para derrotá-lo, a
intrepidez e competência profissional de Barroso.
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(Batalha Naval do Riachuelo – tela de Victor
Meirelles)
Se nós tivéssemos perdido a batalha, é fácil de acompanhar o
rumo que tomariam os acontecimentos. A esquadrilha paraguaia, descendo o
Paraná, faria de Montevidéu sua base estratégica de operações. Robles teria o caminho desimpedido, e
certamente as simpatias dos entrerrianos pelo Paraguai não se resumiria na
demonstração platônica da debandada de Basualdo,
senão num apoio mais decidido. Reforços seriam enviados a Estigarribia e a Duarte,
e tanto a República Oriental como a província do Rio Grande seriam dominadas
inteiramente.
O pensamento vacila, atemorizado, ante a perspectiva que se desdobra! Se
completamente isolado do exterior como ficou desde o começo da guerra, pôde
Lopez sustentar a luta durante cinco longos anos, obrigando-nos a despesas
fabulosíssimas e ao sacrifício de cem mil vidas, que não faria ele se atingisse
Montevidéu e dominasse de pronto a navegação do Paraguai e do Paraná? A que
imensas proporções não atingiria a campanha se a República mediterrânea pudesse
receber do mundo inteiro, que a olhava com simpatia os recursos que o nosso
bloqueio não lhe permitiu adquirir? Recebendo da Inglaterra e da França os
encouraçados que aí tinha em construção quando rebentou a guerra, o arrojo do
ditador paraguaio decerto nos viria combater dentro da própria capital do
Império!
Isolado do mundo, o Paraguai, graças a las onzas de oro que o Ministro Berges distribuía, conseguiu as
simpatias de grande parte da imprensa universal. Vencedor no Riachuelo, com a
chave do Prata nas mãos, todos os louvores seriam para o jovem David — como
chegou a ser comparado — que arrostava impavidamente as fúrias imperialistas do
gigante Golias...
Felizmente, porém, fomos os vencedores. E as consequências também não se
fizeram esperar. Duarte, pouco
depois, em Itajaí, era fragorosamente batido pela vanguarda do exército aliado
ao mando do general Flores. Estigarribia,
isolado em Uruguaiana, rendia-se sem dar um tiro. Robles era obrigado a
retroceder da posição ocupada, e, mais tarde, a evacuar Corrientes.
A batalha naval do Riachuelo, portanto, considerada sob o ponto de vista das
consequências políticas imediatas, teve uma importância decisiva sobre a sorte
de toda a campanha. Sob o ponto de vista militar sua importância foi ainda mais
decisiva, porquanto destruímos o poder naval adversário continuando com o
domínio pleno de toda a navegação fluvial.
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(bandeira imperial do Brasil)
Resta a descrição da batalha. Esta, porém, está tão
viva, no espírito e no coração dos brasileiros, que fora supérfluo aqui
rememorá-la. Basta dizer que os feitos dos que nela se empenharam de nossa
parte — desde o chefe ao menos graduado dos tripulantes constituem exemplo e
padrão de orgulho para as gerações que se sucedem. Barroso, Pedro Affonso,
Hoonholtz, Greenhalgh, Marcilio Dias são hoje figuras lídimas de heróis não
apenas do Brasil, senão do próprio continente sul-americano!”
Fonte:
PRADO MAIA. Através da História Naval Brasileira. São Paulo: Companhia Editora Nacional. Edição 1936.
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